sábado, 13 de agosto de 2011

Ira!

A vermelhidão gélida do pôr-do-sol era cáustica, um Inferno caótico translúcido, por onde me via, e às restantes almas que partilhavam comigo a imensidão de ir que o Cosmos comporta. Via-me outra, uma alma para lá do meu corpo, o desejo de me apartar dela era tórrido, incendiava-me as vísceras. Ira!

"Com os sonhos começa a responsabilidade", eu sonhava a morte de foice e capa negra, a responsabilidade cabia-me. E no pôr-do-sol enxergava aquela alma enegrecida que me pertencia (a órbita escarlate, a íris incinerada), falava-me de vingança parental e no momento presente entendi Orestes e a sua Ira!

Não me reconhecia no Inferno, assemelhava-me a um ser que pouco ou nada me iguala, mas estava lá, timbrada por uma tonalidade ébano cativante. Deste lado, o lado das convenções, das sensações, do sofrimento gravado e sentido, lágrimas escorriam em catadupa, conquanto, na facção Infernal, a minha alma deplorável sorria, atravancando o espaço virtual com o ribombar do seu riso estridente. Nada sentia, a alma, a não ser Ira! E o corpo nada comanda, o cérebro limita-se a chorar. No Mundo carnal, a personificação do espírito quer reger-se pelas ideologias, pelo politicamente correcto. No mundo Infernal (que na verdade não passa do que todos nós somos sem leis e normas paliativas da verdadeira essência humana), deixo que Eu própria dite os meus próprios intentos.

Oh, a Ira! De que me vale viver em mares bravios e ser a estrela-do-mar, insensível, decepada, rejuvenescendo e voltando a ser amputada, porque assim é a sua natureza? Cortam-me os pensamentos e a língua, esses tubarões, reis num nicho de raias, orcas, enguias. Eu sou, apenas, uma estrela-do-mar!
A alma não mais suporta o peso dos ditos cortantes, augúrio futre que me lançam pestilento. Quero-me desagregar da alma, deixar que actue sozinha, desculpabilizar o corpo pelo ódio, pelo ardor do sangue quente venoso inundando o mar bravio onde deixarei de ser estrela, para passar a ser Eu! Quero cada vez mais que me declarem louca, porque o sou a partir do instante em que deixo a vida nas mãos do espírito!

Uma inimputável! Gritarão os gentios, e os vendilhões do templo não mais serão chicoteados, por serem capitalistas natos, e os vendilhões de Fátima aí permanecerão, reconstruindo pela enésima vez a passagem bíblica! E neste marasmo político, Eu serei inimputável! E as girafas nunca mais chegarão com a língua às narinas... Vê-de, ensandeço!... É a Ira!

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